terça-feira, março 27, 2007

Dirk Niepoort

Dirk Niepoort é sabido que é um dos grandes mentores do actual Douro, encabeçando a Niepoort e remando no projecto Douro Boys. Atento a tudo, dá atenção ao maior eno-jornalista mundial, como dá atenção a um simples apaixonado ( ou um crítico amador como gosto de dizer) como eu... O jornal Valor Económico fez uma excelente entrevista, que qualquer enófilo curioso certamente vai gostar de a ler. É muito curiosa a forma como Dirk vê o vinho, e a maneira como fala deles.



"Maluqueira" e muita auto-suficiência



"O herdeiro Dirk Niepoort não economiza em reconhecer seu talento na modernização da empresa centenária. Por Jorge Lucki, de São Paulo
Dirk Niepoort, que comanda a casa de vinho do Porto Niepoort, desde os anos 90: "Nunca fiz nada pensando nos críticos".

O mundo do vinho está repleto de personagens interessantes, uns extrovertidos, outros menos, uns mais refinados, outros meio toscos. São muitas as categorias em que cada um pode ser enquadrado -na verdade a lista é grande -, e é isso que torna o contato pessoal com qualquer um deles uma experiência sempre rica.
Vem daí, inclusive, um projeto que algum dia deve se materializar, com meu amigo chileno Patrício Tapia, editor do melhor guia de vinhos do Chile, o Descorchados e editor associado da influente e confiável publicação mensal americana Wine & Spirits, de reunir num livro as idiossincrasias de uma série dessas figuras, em particular, as mais cativantes e diferenciadas, para não dizer meio malucas, que existem espalhadas pelos quatro cantos do planeta.

Um dos nomes que foi sem dúvida lembrado, quando falamos de Portugal, foi o de Dirk van der Niepoort, que comanda desde meados da década de 90 a Niepoort, uma casa de Vinho do Porto que continua em família desde sua fundação em 1842. Representante da 5ª geração, o irrequieto Dirk, hoje com 42 anos, mudou os rumos da empresa e não parou de inventar novas maluquices, como ele mesmo disse várias vezes, a si se referindo, na entrevista exclusiva que deu para o Valor, durante sua passagem por São Paulo na semana passada. Dirk fala de suas crenças, assumindo em boa parte das vezes a paternidade delas, e de como seus vinhos evoluíram para chegar no grau de excelência que têm hoje, um fato que ele também não se inibe de enaltecer.

É preciso da mesma forma reconhecer que, afora tudo o que Dirk Niepoort promoveu dentro de sua própria vinícola, ele foi talvez o maior responsável pela criação e mola propulsora dos Douro Boys, grupo de cinco produtores assim informalmente chamado, que reúne, além da Niepoort, a Quinta do Vale Meão, a Quinta do Vale Dona Maria, a Quinta do Vallado e a Quinta do Crasto, nomes que a partir de um trabalho conjunto conseguiram grande projeção internacional.

Valor: Quais foram seus primeiro passos no vinho?
Dirk Niepoort: Foi curioso. Depois de ter feito o curso secundário em Portugal, eu fui estudar economia na Suíça numa escola particular e parte desse estudo envolvia um estágio. Por sorte ou coincidência, foi numa empresa de vinhos. Até aquela data eu não tinha interesse particular por vinho.

Valor: O seu objetivo não era estar ligado ao setor?
Niepoort: Era economia e talvez houvesse algum interesse por vinho maior do que o normal, mas não havia nenhuma pressão dos meus pais para eu vir a trabalhar na empresa.

Valor: E como foi o estágio?
Niepoort: Nesse estágio, na Mövenpick, tinha duas pessoas muito ligadas a vinho que não sei porque tiveram muito carinho comigo. Isso me deu um click e comecei a me interessar pelo assunto. Depois de acabarem os estudos fui para os Estados Unidos fazer um estágio numa vinícola, sem função especial.

Valor: Daí você voltou a Portugal?
Niepoort: Sim e comecei a trabalhar com meu pai em 1987 e meu interesse em vinhos de mesa era grande. Eu queria fazer e não consegui não fazer.

Valor: Até então a Niepoort não produzia nada de vinho de mesa.
Niepoort: A Niepoort era um negociante de Vinhos do Porto. Nós não tínhamos vinhas. Comprávamos o vinho pronto logo depois da colheita e depois envelhecíamos e negociávamos. Era como todas as casas de Vinho do Porto normalmente são. Quando eu cheguei, uma das primeiras coisas que fiz, quer dizer, meu pai é que me deixou fazer, foi comprar a Quinta de Nápoles. Em 88 compramos a Quinta do Carril, que fica ao lado, e depois fomos comprando e arrendando pequenas parcelas até chegar aos 43 hectares que temos hoje.

Valor: Não é tudo junto, não?
Niepoort: A Quinta de Nápoles junto com a do Carril tem 25 hectares plantados. Temos arrendado vinhas velhas no Vale do Mendiz e uma no Ferrão.

Valor: Isso foi o começo da mudança?
Niepoort: A grande diferença da Niepoort relativamente ao que era é que, primeiro somos proprietários de várias coisas. Nem o armazém onde estávamos e onde ainda estamos era nosso. A segunda alteração é que hoje vinificamos 95% do nosso Vinho do Porto e 100% do nosso vinho de mesa. A terceira é que o vinho de mesa não existia.

Valor: Quando você comprou as duas Quintas, de Nápoles e a do Carril, você já tinha pensado em utilizá-las para vinhos de mesa?
Niepoort: Não, e nós compramos a Quinta de Nápoles contra a minha vontade. Eu insistia que tínhamos de ter uma Quinta só que eu não queria aquela. Meu pai comprou por outras razões em que eu não via lógica. Mas aquela zona é, depois me dei conta, muito boa para vinhos de mesa. Isso me ajudou a criar algumas lógicas diferentes do que se pensava na época, que são vinhedos virados para o norte (bate menos sol, o que é, no Douro, no hemisfério norte, bom para esses vinhos).

Valor: Quando percebeu isso?
Niepoort: Isso nasceu em 1990, quando eu fiz um vinho da Quinta do Carril e esse vinho saiu muito melhor do que pensávamos. É o que eu chamei de Robustus. O engraçado é que meu pai não acreditava no começo. Ele achava que o vinho não prestava para nada e deu uma boa parte para o pessoal da empresa beber no dia a dia. Hoje em dia é talvez o vinho mais mítico de Portugal. Há alguns ingleses que acham que ele o melhor vinho já feito no país. A verdade é que o vinho hoje está muito bom.

Valor: O Robustus 90 nunca foi comercializado?
Niepoort: Nunca. Na época eu, chateado com o mundo, resolvi não mostra-lo a ninguém, e disse que era um vinho para meu filho que já havia nascido. Passou quatro anos em madeira, engarrafei e deixei quieto. Foram só umas 700 garrafas e a vantagem de não ter mostrado a ninguém é que ainda temos algumas garrafas.

Valor: E quando veio o Redoma?
Niepoort: No fundo o Redoma é um sucessor do Robustus. É baseado nas mesmas vinhas, tudo muito parecido. O Redoma foi nosso primeiro tinto de mesa comercialmente vendido.

Valor: Ambos eram então de vinhas velhas, com castas misturadas, como era praxe antigamente?
Niepoort: No alto plantamos 15 hectares de vinha nova que agora têm 20 anos. Mas o Redoma é essencialmente de vinhas velhas que têm castas misturadas.

Valor: Você gosta de vinhos de lote (corte de várias uvas e/ou vários vinhedos). Quando plantou novas parcelas fez uma mescla de variedades seguindo alguma lógica?
Niepoort: Fiz duas vinhas misturadas que eu escolhi, mas para ser sincero nem me lembro o que misturei. Peguei mudas de uma vinha muito velha que eu gostava muito e que hoje é nossa. Quer dizer é arrendada mas é como se fosse nossa. É a parcela que dá os melhores vinhos da Quinta de Nápoles.

Valor: O Redoma passou basicamente a década de 90 como único tinto de mesa de vocês. Até que veio o Batuta. E o Redoma branco?
Niepoort: O Batuta veio em 99. O Redoma branco veio em 95, de uma vinha de Celeiros com 70 anos de idade. É gozado que eu queria vinificar separadamente as três castas que lá existiam. O lavrador colheu as três separadas, mas me entregou todas juntas. Ou seja foi a primeira vez que tentei fazer um vinho por casta e não funcionou. Nunca mais tentei vinificar castas em separado.

"A fruta é banal. O frescor é a espinha dorsal de um vinho. Não se pode fazer um vinho com muito músculo se não tiver costas boas."


Valor: E mudou alguma coisa no Redoma branco?
Niepoort: Hoje não usamos mais essa vinha até porque na época eu achava que o Gouveio. Ela tem boa acidez, porém eu sou muito sensível a amargor. Hoje trabalhamos com muitas uvas de zonas diferentes, todas de mais altitude. Minha "maluqueira" é utilizar vinhedos mais altos para ter boa acidez.

Valor: Frescor é fundamental.
Niepoort: É e nos tintos também, cada vez mais. Há uma coisa muita importante a dizer. A Niepoort passou três fases no vinho de mesa. Primeiro foi começar a fazer. Não tínhamos condições nenhuma, não tinha dinheiro e meu pai também não ajudava muito. Era tudo feito como dava e ainda penso que é um milagre alguns vinhos serem tão bons nas condições em que eram produzidos. Depois em 99 disse a meu pai que precisaríamos investir. Contratamos, então, um enólogo e criamos condições mínimas - barricas melhores e novas e algumas cubas de fermentação porque as primeiras foram desenhadas por mim. Então a partir de 99, a Niepoort deu um passo muito grande e os vinhos melhoraram consideravelmente.

Valor: E a terceira fase?
Niepoort: Foi em 2004, quando um novo enólogo veio trabalhar conosco e independentemente da mudança, eu tomei uma atitude mais agressiva de não usar química. Em termos de vinhedo ainda utilizamos algum herbicida, mas é pouco e o objetivo é acabar. Quero que o Luís Seabra, nosso enólogo, tome a decisão. Acredito que de 2004 para cá a Niepoort deu dois ou três saltos qualitativos. Quando adotei essas atitudes achei que tinha assumido grandes riscos, que os vinhos poderiam se estragar. É muito irônico porque desde 2004 não temos nenhum problema com as fermentações, os vinhos são muito bons e mais equilibrados, mais sãos. A rigor é interferir menos no vinho. É acompanhá-lo e não fazê-lo. É deixar as uvas serem o que são e nós só temos que guia-las um pouco.

Valor: O divisor de águas foi então 2004?
Niepoort: Eu acho que a diferença entre um bom vinho e um grande vinho são pequenos detalhes que em si quase não são visíveis. Tecnicamente temos mais ou menos o que é preciso e penso que estamos trabalhando melhor e na direção certa.

Valor: No caso dos Vinhos do Porto este salto não é mais sentido nos Vintages, porque nos tawnies vocês já eram conceituados?
Niepoort: Em termos históricos não tenho dúvidas que a Niepoort é uma das melhores casas. Só que esse mundo era gerido pelos ingleses (a maioria das casas de Vinho do Porto eram dominadas por ingleses) e assim nós nunca fomos levados a sério. Talvez nos anos 80 não estivemos jogando bem, mas eu diria que a partir de 2000 voltamos a estar no nível dos melhores.

Valor: Você estendeu bastante a linha de mesa nos últimos anos. Você pode resumir?
Niepoort: Temos crescido muito. Em quantidade, nosso carro chefe é um vinho mais comercial que temos duplicado as vendas. No Brasil vai se chamar Diálogo. Antes da reviravolta (de 2004) ele tinha uma razão de ser. Achei que estava na hora de contrariar a lógica e fazer um vinho que não fosse quase preto, frutado, alcoólico. Que fosse simples, com frescor e não pesado, para dar prazer de beber e que tivesse a tipicidade da região. E está indo muito bem.

Valor: Voltando aos seus vinhos clássicos, tops de linha. Quando você sentiu necessidade de fazer o Batuta?
Niepoort: O Batuta deveria ter nascido em 95. Eu já tinha o vinho e eu gostava muito. Era para ser um tinto na linha do Robustus 90, em que deixei mais tempo em madeira. O enólogo que havíamos contratado não ligou muito para terminar ele, e acho que se estragou. Não é que estragou, mas era muita responsabilidade e o vinho não estava perfeito. Também tem a história meio absurda que não podíamos utilizar o nome Robustus. Foi meu pai que sugeriu o nome Batuta. Em todo caso, Robustus é uma palavra pesada que demonstra estrutura, peso, álcool e extração, bem na linha do que vi na Califórnia em 87. Com a idade eu iria evoluir e fazer vinhos mais finos. Mas eu não entendia de vinhos finos na época e não sabia como fazê-los. Quando começamos a pensar a sério em fazer o 99, eu já sabia algo, queria elegância e não um brutamontes. O Batuta é mais ou menos isso. Pretende ser mais refinado, mais polido. O Redoma, por outro lado, é o nosso vinho mais importante , representa melhor o Douro - é mais selvagem, autêntico.

Valor: Aí vem o xodó, o Charme. Como e quando você o concebeu?
Niepoort: Isso foi em 2000, quando numa prova às cegas me deram um vinho, que logo de cara achei que era um Rhône do norte, mas eu nunca havia visto um Syrah tão fino. Só poderia ser um Pinot Noir, mas com aquela estrutura só se fosse um vinho do Domaine de la Romanée Conti. Era um La Tâche 91. Algum tempo depois aconteceu a mesma coisa só que aí eu acertei, o mesmo acontecendo mais tarde, com um La Tâche 96. Eu me perguntei como era possível um vinho ter a potência, estrutura e taninos como eles têm e ao mesmo tempo terem essa fineza. Cheguei a conclusão que a razão era o trabalho que eles fazem com o engaço (eles não eliminam os engaços -- os galhinhos que seguram os bagos - como a maioria faz). Trabalhar com o engaço é complicado e eu estava habituado a fazer isso com os Vinhos do Porto, mas era bem diferente. Em 2000 fiz uma experiência e acho que exagerei, o mesmo acontecendo no ano seguinte. Em 2002 fiz o que eu achava do princípio ao fim , algo que fosse tão bom que pudesse engarrafar. E assim veio o 2002 e depois o 2004.

Valor: Com que castas?
Niepoort: São vinhas muito velhas do Vale do Mendiz, na zona do Pinhão. Tem Tinta Roriz e Touriga Franca mas com muitas outras. Mas ainda estou procurando outra vinhedo e outra casta. O segredo do Charme, em todo caso, é partir de vinhas muito velhas com produções muito pequenas.

Valor: O estilo que você busca hoje nos teus vinhos é privilegiar mais o frescor do que a fruta, não?
Niepoort: Eu não gosto de vinhos com fruta, eu gosto de vinhos frescos. É muito importante e a maior parte das pessoas não percebe a diferença. E ela é muito grande. A fruta é uma coisa banal e o frescor é essencial e difícil de conseguir. O frescor é a espinha dorsal de um vinho. Não se pode fazer um vinho com muito músculo se não tiver costas boas. O que segura nosso corpo é a espinha e a espinha é a acidez.

Valor: Foi com esse objetivo que você propôs fazer uma parceria com o Álvaro de Castro, da Quinta da Pellada, no Dão, e resultou no Dado?
Niepoort: É isso. Ainda hoje zombam de mim dizendo que sou maluco, mas tenho a certeza que as vinhas altas são o futuro. A idéia é juntar a espinha dorsal do Dão, cujos vinhos têm mais acidez, com os músculos do Douro.

Valor: Dizem que o Barca Velha chegou a fazer isso.
Niepoort: Eles dizem que não é verdade, mas meu pai até me disse o mesmo. Na verdade, o velhinho (Fernando Nicolau de Almeida, o mentor do Barca Velha), juntava os altos e os baixos e tinha razão.

Valor: Já que o assunto é parceria, você tem também com o Telmo Rodriguez, da Espanha.
Niepoort: O Telmo é uma pessoa que eu adoro e tenho muito respeito por ele. Fomos apresentado há 15 anos como sendo o maluco correspondente a mim na Espanha. Eu sabia que era uma parceria que iria acontecer cedo ou tarde, e agora está se realizando. Eu perguntei ao Telmo como ele queria fazer o vinho e ele respondeu que faríamos juntos. Eu disse para ele fazer como queria. Discute daqui, discute dali, e eu disse que ele fazia os vinhos sempre com luvas brancas, tudo direitinho, muito perfeito. Mas para ser sincero, eu lhe falei, "nos teus vinhos falta qualquer coisa. Esse qualquer coisa vou ser eu a dar". Não sei como, nem quando nem o que, mas primeiro eu precisava saber o que fazer. Não sei se ele achou muito engraçado, mas efetivamente fizemos o vinho como Telmo quis e devo confessar que aprendi muito com ele. Aprendi coisas que a gente sabe mas não faz. Só mesmo fazendo é que se percebe certas coisas

Valor: Isso te ajudou no que você chamou de nova fase da Niepoort a partir de 2004?
Niepoort: Sem dúvida que o Telmo ter aparecido nessa altura foi parte dessa revolução. Ele veio de certa forma ajudar a ter atitudes mais fundamentalistas no que eu mudei. Estou convencido que a partir de 2004 nossos vinhos estão duas ou três categorias acima. Em 2005 é tudo tão perfeito também devido ao que aprendi em 2004.

Valor: E o vinho com o Telmo, como ficou?
Niepoort: É um vinho feito no Douro e é do Douro. Vem de duas vinhas arrendadas do mesmo proprietário, mas teríamos de ter um controle maior sobre ela. Estamos sonhando com um vinhedo que siga uma escola biodinâmica.

Valor: O estilo mais elegante e fresco dos teus vinhos não segue bem o padrão internacional que os críticos influentes do mercado internacional tanto apreciam. Isso não te preocupa?
Niepoort: Não. Desisti. Tenho até sorte de que os críticos gostem dos nossos vinhos, mas eu nunca fiz nada pensando neles."

In Valor Económico em 27/03/2007

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